Tuesday, January 09, 2007

CENTRO HISTÓRICO DE GAIA: DE PROJECTO EM PROJECTO... ATÉ À CAMPANHA ELEITORAL!!! (PARTE VI)

salvadorpereirasantos@hotmail.com

No passado fim-de-semana tive de me ausentar de Gaia por uns dias, em missão de serviço por terras italianas (Roma e Turim – cidades de mil encantos), e no regresso decidi utilizar o comboio como meio de transporte, após uma reunião de trabalho no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Apanhei um táxi com destino à Estação do Oriente, de onde um Alfa Pendular me trouxe até às Devesas. Que desolação!... Depois de constatar em Roma e Turim um extremo cuidado e respeito pela promoção e preservação das marcas que fazem a sua história e de admirar a beleza arquitectónica da Gare nascida na capital portuguesa aquando da Expo’98, “aterrei” ao fim da tarde num contrastante cenário terceiro-mundista.

A estação das Devesas, porta de acesso às mais importantes cidades nacionais e uma das principais vias de comunicação do exterior com o Concelho de Gaia e o seu Centro Histórico, apresenta-se completamente votada ao abandono, de aspecto triste, sombrio, inóspito. Tentei “vestir a pele” de um turista que nos visite pela primeira vez, vindo de Lisboa ou de qualquer outro ponto do país por via ferrea, e comecei por estranhar a inexistência no local de quaisquer valências de apoio e recepção que sejam verdadeiramente dignas e compagináveis com um concelho que se pretende afirmar pelas suas potencialidades turísticas.

Não vi nada na Estação que pudesse desvendar a riqueza patrimonial do Centro Histórico de Gaia, as suas lendas, tradições e saberes, aos turistas que normalmente nos visitam com o objectivo único e há muito pré-definido de conhecer o local onde há séculos se preserva e envelhece, na quietude dos anos, uma das mais deliciosas bebidas do mundo: o famoso Vinho do Porto. Não existe nada, absolutamente nada, um simples folheto, um roteiro, um caderno de eventos e propostas de lazer, que seja suficientemente atractivo e esclarecedor do que se pode desfrutar na nossa terra, para além das incontornáveis Caves…

Surpreendido por não haver por ali um só sinal que nos dê uma mínima ideia da magnificência, história e cultura do lugar que dá berço às Caves do Vinho do Porto, peguei nas malas e saí para a rua. Procurei táxi junto ao largo da Estação. Não havia nem um! Olhei em redor e vi o que qualquer visitante que parta à descoberta de uma cidade com tão brilhante passado e riqueza histórica julgaria impensável encontrar. A zona envolvente está tão degradada, suja e entregue ao desleixo como a Gare. Um parque de estacionamento a céu aberto, descuidado e sem segurança, meia dúzia de “tascos” sem chama ou qualquer atractivo, casas de cor esbatida pelo tempo e com sinais evidentes de abandono... Que desconsolo!...

O sol já se escondia, mas Gaia ao entardecer tem um encanto muito especial! Não chovia e o frio não era muito. Resolvi fazer o caminho a pé até a casa, subindo calmamente a rua Conselheiro Veloso da Cruz. Ao meu lado esquerdo, lá estava ela, imponente, majestática, carregada de simbolismo e memória, aquela que foi a mãe de todas as fábricas de cerâmica do norte e centro de Portugal, considerada como um dos melhores exemplares do património industrial existentes no nosso país, em risco de degradação irremediável por incúria, ignorância e incompetência: a antiga Fábrica de Cerâmica das Devesas, que aguarda há décadas a sua classificação como Monumento Nacional e a sua consequente transformação em Museu da Cerâmica.

Enquanto caminhava, veio-me à memória a tese de doutoramento da gaiense Ana Margarida Portela, onde ela defendia o seguinte: «A ideia que se lançou de um museu da cerâmica deve ser alargada para um Museu Nacional das Artes Industriais, pois foi a produção simultânea de várias formas artísticas que impulsionou a Fábrica das Devesas para o sucesso. Abrindo-se o leque temático, seria possível obter mais espólio e mais apoios, reduzindo custos e viabilizando ainda mais a criação do museu. Por outro lado, não existindo ainda um museu das artes industriais em Portugal, este projecto passaria a ser original e único, ultrapassando facilmente o carácter regional, para se tornar num museu nacional e internacional».

E conclui assim Ana Margarida Portela a sua tese: «(…) a Câmara Municipal de Gaia e o IPPAR deveriam saber aproveitar o enorme potencial ali existente. Assim, antes de tudo, é necessário não deixar danificar ainda mais o que lá existe, conhecer melhor o que está escondido debaixo do solo e adquirir os terrenos com base numa ideia concreta para o local, sempre com o propósito de salvaguardar este Património para os vindouros, aliando o útil ao prático e dando uma nova utilização àquilo que hoje são edifícios abandonados, sem descaracterizar as estruturas. Tudo isso é hoje possível com um pouco de engenho e boa vontade».

Cheguei a casa e mergulhei os olhos no celebérrimo “Masterplan”, onde pude ler na sua terceira Unidade Operativa de Reabilitação (Devesas/General Torres) meia-dúzia de lugares comuns sobre habitação, comércio e serviços… e nada, absolutamente nada, nem uma linha, sobre o Complexo Fabril das Devesas, quanto mais um Projecto digno desse nome que recupere todos os estudos, debates, seminários, recolha de documentação, manifestos subscritos por investigadores, arqueólogos, historiadores e museólogos. Tem razão a doutora Ana Margarida Portela quando diz: «Foram vinte anos de algumas boas vontades, mas sobretudo de abandono, delapidação, inércia, ignorância e burocracia»!!!!

Pois é, parece que nada mudou. Só as moscas!...

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