Wednesday, August 22, 2007

O MATAGAL DA RUA DO AGRO, OS VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS E O PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO...

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Alguns moradores da rua do Agro reclamam a limpeza de um extenso matagal que cresce às suas portas, para deleite da mais variada bicharada. O presidente da Junta diz que nada pode fazer para limpar o mato e exterminar a indesejável “vizinhança”, alegando que a propriedade é privada e está sob protecção do IPPAR. Que absurdo! O que está protegido não é o matagal, mas sim os vestígios arqueológicos que aquele esconde. Quanto à limpeza do espaço, nada impede que a Câmara (ou a Junta...) se substitua aos donos do terreno e acabe com aquela vergonha. Foi, aliás, o que a Câmara fez recentemente no caso da demolição do antigo edificio da Quimigal, quando a Refer ignorou supostamente os ofícios do município que determinavam aquela intervenção.

A Junta de Freguesia revela mais uma vez a sua incapacidade para interpretar e mediar as reivindicações da população de Santa Marinha junto das várias instituições (públicas e privadas). Neste caso da rua do Agro, justificar-se-ia uma grande firmeza não só na reivindicação da limpeza imediata do terreno por quem de direito, de forma livre ou coerciva, mas também na reclamação de uma intervenção arqueológica urgente na área. O resultado das escavações realizadas no Castelo de Gaia, entre 1999 e 2001, fazem prever que os vestígios ali existentes serão peças determinantes para um melhor conhecimento das nossas origens e das transformações operadas ao longo dos tempos na zona no Castelo, que constitui já uma estação arqueológica de grande valor.

A defesa da nossa memória colectiva tem sido uma pecha grave da acção dos executivos liderados por Joaquim Leite. Durante os seus mandatos já assistimos a alguns atentados ao edificado e aos vestígios arqueológicos. Cito apenas três exemplos ligados ao Património Fabril. Eis o primeiro: A Fábrica Têxtil Manú, erigida na primeira metade do séc. XX, situada na área de protecção do Mosteiro da Serra do Pilar (Monumento Nacional), começou a ser demolida sem o parecer prévio do IPPAR ou qualquer identificação da obra, como determina a legislação em vigor. Para além do incumprimento da Lei neste particular, foi ainda descurada a realização de imagens fotográficas ou videográficas da Fábrica com vista a registo patrimonial futuro.

Eis o segundo exemplo: A abertura de uma vala junto ao Convento de Santo António do Vale da Piedade, que se encontra classificado como Imóvel de Interesse Municipal, destruiu uma quantidade significativa de vestígios arqueológicos (cerâmica do tipo biscoito, faiança, etc.) relacionados com uma Fábrica que terá laborado nas instalações do Convento por volta de 1820, num período muito conturbado pelas lutas Liberais. O terceiro exemplo situa-se na rua de General Torres, onde uma obra destruiu um local de grande sensibilidade arqueológica relacionada com a Fábrica da Fervença, que funcionou de 1820 a 1857, e com a Fábrica da Torrinha, fundada em 1844 (...para além de uma Mesquita que ali terá provavelmente existido em tempos mais remotos).

O património arquitectónico, seja ele de que tipo for, é portador de uma mensagem histórica. No caso das Fábricas, elas são o retrato de uma época, de um estilo e de uma visão social. A partir do século XVIII, a indústria cerâmica marcou definitivamente a história de Gaia, dando lugar à construção de novas casas e lojas. Com o passar do tempo, o desenvolvimento comercial contribuiu para uma série de modificações na rede viária, com o alargamento e a abertura de ruas, construção de novas habitações e alterações na morfologia de outras. Destruindo as velhas Fábricas ou realizando obras sem o devido acompanhamento arqueológico, perde-se a oportunidade de conhecer e compreender o desenvolvimento e o crescimento da malha urbana.

Vila Nova de Gaia, que foi líder da indústria cerâmica, com mais de 40 Fábricas em plena laboração no século XIX, possui actualmente o pouco que resta deste Património Industrial completamente à deriva num grande mar de desleixo e de incompetência dos seus governantes. Em Santa Marinha, em pleno Centro Histórico de Gaia, continuam de pé (por quanto tempo?), resistindo com dificuldade ao mercantilismo dos nossos tempos e à insensibilidade cultural dos autarcas, as instalações da antiga Fábrica de Cerâmica das Devesas, um exemplar único no país, que exige medidas urgentes de preservação: está lá uma parte importante da própria História da Arquitectura e da Escultura Portuguesa do século XIX e do início do século XX!

E a tudo isto a Junta de Freguesia de Santa Marinha diz... NADA! Como nada diz acerca das mais variadas atrocidades que vão sendo cometidas no Património Cultural do Centro Histórico... ou sobre o matagal que vai crescendo e alimentando bicharada indesejável na rua do Agro, para desespero dos moradores!...

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