SANTA MARINHA, MEU AMOR

Wednesday, January 31, 2007

CENTRO HISTÓRICO DE GAIA: DE PROJECTO EM PROJECTO... ATÉ À CAMPANHA ELEITORAL!!! (PARTE VII)

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Os caminhos sinuosos que conduziram à conclusão da primeira fase das obras de recuperação da Casa Barbot são o “rosto” fiel da incoerência política do presidente da Câmara de Gaia, o “retrato” do seu carácter inconstante, a “imagem” do seu percurso sem norte… Em pouco mais de três anos, aquele belo exemplar de Arte Nova, classificado em 1982 como “imóvel de interesse público”, teve três destinos completamente distintos traduzidos em outras tantas promessas públicas e em protocolos subscritos entre a edilidade e algumas das partes envolvidas.

Primeiro foi o Teatro Experimental do Porto (TEP), desde há uns anos com residência em Gaia, que esteve de mudança marcada para a Casa Barbot. Estávamos em 2003 e o edil Luís Filipe Meneses pretendia honrar um compromisso subjacente a um protocolo celebrado com a referida unidade de criação teatral privada, cedendo aquele edifício para a instalação de um núcleo museológico permanente dedicado às artes cénicas tendo por base o espólio do TEP e do encenador, dramaturgo, figurinista, critico, escritor, ensaísta e pintor surrealista António Pedro.

No ano seguinte, escudado em razões mal explicadas, supostamente fundadas na inadequação do imóvel ao fim pretendido (para além do Museu, o espaço acolheria parte dos serviços técnicos, artísticos e administrativos do TEP), o presidente da edilidade, surpreendendo tudo e todos, prometeu a cedência da Casa Barbot à Associação Comercial e Industrial de Gaia (ACIGAIA), por um período de setenta e cinco anos, propondo-se esta entidade responsabilizar-se pelas obras de recuperação do edifício, em articulação com o Gabinete de Arquitectura da Câmara e após o indispensável parecer favorável do IPPAR.

Imprevisivelmente, ou nem por isso, alguns meses depois, e no âmbito da Campanha das Autárquicas’2005, a Casa Barbot passou a ser objecto de promessa eleitoral da coligação “Gaia Na Frente” (PSD-CDS/PP), tendo como proposta de vocação futura a instalação dos serviços do Pelouro da Cultura! Assim, sem mais nem menos, completamente à revelia da ACIGAIA e de uma deliberação do Concelho de Administração da GAIANIMA datada de Dezembro de 2004, e sem qualquer explicação prévia a uns e a outros, Luís Filipe Meneses resolve mais uma vez “dar o dito por não dito”. Quem manda é o senhor “todo-poderoso” de Gaia e a Casa Barbot será o que ele quiser!!!

Após alguns episódios pouco dignificantes, mirabolantes piruetas e aparatosos malabarismos, a novela parece ter chegado ao fim. O magnífico imóvel Arte Nova da Avenida da República foi semi-recuperado com financiamento misto Estado-Autarquia e vai reabrir no próximo sábado como Casa da Cultura. E isto quer dizer exactamente o quê? Simplesmente, que os serviços do pelouro da Cultura, Património e Turismo da Câmara de Gaia vão instalar-se naquele edifício, que destinará apenas um pequeníssimo espaço a actividades de cariz cultural, a exemplo do que sucederá brevemente com o Convento Corpus Christi (que irá albergar os serviços técnicos e administrativos da GAIURB, impedindo que seja dada, em toda a sua plenitude, uma vocação mais nobre àquele magnífico monumento da beira-rio).

A Câmara aguarda agora por mais dinheiro do Estado Central, ou do QREN (antigo Quadro Comunitário de Apoio) 2007-2013, para concluir as obras de recuperação da Casa Barbot, imóvel integrado na área abrangida pelo “Masterplan” e referenciado como património a privilegiar nas intervenções a promover no âmbito da sua quarta UOR (Unidade Operativa de Reabilitação) – Encosta da Fervença. Como se vê, neste caso, como noutros que em breve trarei à liça, o Executivo de Gaia falseia a verdade quando se queixa da falta de apoio do Governo da República, omitindo os milhões que já vieram e continuam a vir de Lisboa para Luís Filipe Meneses construir a Obra que publicita como “sua”!...

…«Obra minha e de entidades privadas» – dirá o edil de Gaia, que vem anunciando com indisfarçável orgulho, semana sim, semana não, grandes investimentos de importantes empresas e consórcios multinacionais na malha urbana do coração da cidade. Mas a que preço? Quanto custa tanta “generosidade”?!… O que sei é que corremos o sério risco de sermos confrontados em breve com projectos que comprometerão irremediavelmente o futuro do Centro Historio de Gaia, como a proliferação de “guetos” de luxo, condomínios fechados que não são mais do que uma espécie de “apartheid” social, que contrastam negativamente com o retrato social que caracteriza e enriquece todos os centros históricos do Mundo: o convívio intergeracional e interclassista, a relação entre o tradicional e o moderno, a conjugação harmoniosa entre o popular e o cosmopolita, o equilíbrio na diversidade… que defenda um meio ambiente plural, por uma sociedade que se deseja mais justa, coesa e inclusiva!

Luís Filipe Meneses parece querer um Centro Histórico só para gente rica… para “gente do calção e da raqueta ou do taco de golfe na mão”! E a isso eu digo NÃO!!!

Tuesday, January 09, 2007

CENTRO HISTÓRICO DE GAIA: DE PROJECTO EM PROJECTO... ATÉ À CAMPANHA ELEITORAL!!! (PARTE VI)

salvadorpereirasantos@hotmail.com

No passado fim-de-semana tive de me ausentar de Gaia por uns dias, em missão de serviço por terras italianas (Roma e Turim – cidades de mil encantos), e no regresso decidi utilizar o comboio como meio de transporte, após uma reunião de trabalho no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Apanhei um táxi com destino à Estação do Oriente, de onde um Alfa Pendular me trouxe até às Devesas. Que desolação!... Depois de constatar em Roma e Turim um extremo cuidado e respeito pela promoção e preservação das marcas que fazem a sua história e de admirar a beleza arquitectónica da Gare nascida na capital portuguesa aquando da Expo’98, “aterrei” ao fim da tarde num contrastante cenário terceiro-mundista.

A estação das Devesas, porta de acesso às mais importantes cidades nacionais e uma das principais vias de comunicação do exterior com o Concelho de Gaia e o seu Centro Histórico, apresenta-se completamente votada ao abandono, de aspecto triste, sombrio, inóspito. Tentei “vestir a pele” de um turista que nos visite pela primeira vez, vindo de Lisboa ou de qualquer outro ponto do país por via ferrea, e comecei por estranhar a inexistência no local de quaisquer valências de apoio e recepção que sejam verdadeiramente dignas e compagináveis com um concelho que se pretende afirmar pelas suas potencialidades turísticas.

Não vi nada na Estação que pudesse desvendar a riqueza patrimonial do Centro Histórico de Gaia, as suas lendas, tradições e saberes, aos turistas que normalmente nos visitam com o objectivo único e há muito pré-definido de conhecer o local onde há séculos se preserva e envelhece, na quietude dos anos, uma das mais deliciosas bebidas do mundo: o famoso Vinho do Porto. Não existe nada, absolutamente nada, um simples folheto, um roteiro, um caderno de eventos e propostas de lazer, que seja suficientemente atractivo e esclarecedor do que se pode desfrutar na nossa terra, para além das incontornáveis Caves…

Surpreendido por não haver por ali um só sinal que nos dê uma mínima ideia da magnificência, história e cultura do lugar que dá berço às Caves do Vinho do Porto, peguei nas malas e saí para a rua. Procurei táxi junto ao largo da Estação. Não havia nem um! Olhei em redor e vi o que qualquer visitante que parta à descoberta de uma cidade com tão brilhante passado e riqueza histórica julgaria impensável encontrar. A zona envolvente está tão degradada, suja e entregue ao desleixo como a Gare. Um parque de estacionamento a céu aberto, descuidado e sem segurança, meia dúzia de “tascos” sem chama ou qualquer atractivo, casas de cor esbatida pelo tempo e com sinais evidentes de abandono... Que desconsolo!...

O sol já se escondia, mas Gaia ao entardecer tem um encanto muito especial! Não chovia e o frio não era muito. Resolvi fazer o caminho a pé até a casa, subindo calmamente a rua Conselheiro Veloso da Cruz. Ao meu lado esquerdo, lá estava ela, imponente, majestática, carregada de simbolismo e memória, aquela que foi a mãe de todas as fábricas de cerâmica do norte e centro de Portugal, considerada como um dos melhores exemplares do património industrial existentes no nosso país, em risco de degradação irremediável por incúria, ignorância e incompetência: a antiga Fábrica de Cerâmica das Devesas, que aguarda há décadas a sua classificação como Monumento Nacional e a sua consequente transformação em Museu da Cerâmica.

Enquanto caminhava, veio-me à memória a tese de doutoramento da gaiense Ana Margarida Portela, onde ela defendia o seguinte: «A ideia que se lançou de um museu da cerâmica deve ser alargada para um Museu Nacional das Artes Industriais, pois foi a produção simultânea de várias formas artísticas que impulsionou a Fábrica das Devesas para o sucesso. Abrindo-se o leque temático, seria possível obter mais espólio e mais apoios, reduzindo custos e viabilizando ainda mais a criação do museu. Por outro lado, não existindo ainda um museu das artes industriais em Portugal, este projecto passaria a ser original e único, ultrapassando facilmente o carácter regional, para se tornar num museu nacional e internacional».

E conclui assim Ana Margarida Portela a sua tese: «(…) a Câmara Municipal de Gaia e o IPPAR deveriam saber aproveitar o enorme potencial ali existente. Assim, antes de tudo, é necessário não deixar danificar ainda mais o que lá existe, conhecer melhor o que está escondido debaixo do solo e adquirir os terrenos com base numa ideia concreta para o local, sempre com o propósito de salvaguardar este Património para os vindouros, aliando o útil ao prático e dando uma nova utilização àquilo que hoje são edifícios abandonados, sem descaracterizar as estruturas. Tudo isso é hoje possível com um pouco de engenho e boa vontade».

Cheguei a casa e mergulhei os olhos no celebérrimo “Masterplan”, onde pude ler na sua terceira Unidade Operativa de Reabilitação (Devesas/General Torres) meia-dúzia de lugares comuns sobre habitação, comércio e serviços… e nada, absolutamente nada, nem uma linha, sobre o Complexo Fabril das Devesas, quanto mais um Projecto digno desse nome que recupere todos os estudos, debates, seminários, recolha de documentação, manifestos subscritos por investigadores, arqueólogos, historiadores e museólogos. Tem razão a doutora Ana Margarida Portela quando diz: «Foram vinte anos de algumas boas vontades, mas sobretudo de abandono, delapidação, inércia, ignorância e burocracia»!!!!

Pois é, parece que nada mudou. Só as moscas!...