Friday, November 02, 2007

NASCIDA HÁ 130 ANOS (4 DE NOVEMBRO DE 1877), A PONTE MARIA PIA VAI MORRENDO LENTAMENTE POR INCÚRIA, ABANDONO, DESLEIXO!...

salvadorpereirasantos@hotmail.com

No passado sábado, por volta das onze da noite, decidi dar descanso ao meu velho carrito e atravessei a ponte do Infante de autocarro, com destino a Gaia. Do meu lado direito, a animação era grande. Um conhecido equilibrista-acrobata fazia a travessia do Douro entre a ribeira do Porto e o cais de Gaia, caminhando sobre um arame, acompanhado por efeitos pirotécnicos, dando sequência a um conjunto de eventos que envolveu bandas de música, gaiteiros e gigantones. Do meu lado esquerdo, a ponte Maria Pia estava posta em sossego, abandonada à sua triste e sombria sorte, enquanto do outro lado se festejava não sabia eu bem o quê. E foi então que me lembrei: de amanhã a oito dias (4 de Novembro) a velha ponte de Gustave Eiffel faz 130 anos. Ah, que bom. A festa de aniversário já começou!

Enganei-me, claro. A festa nada tinha a ver com a velhinha ponte que “jaz morta e apodrece” por incúria dos homens, desde que a travessia ferroviária entre Gaia e o Porto se passou a fazer pela ponte S. João. A festa a que “assisti de longe” antecipava um tal Festival de Rua a realizar em Setembro do próximo ano, sob o alto patrocínio das duas Câmaras Municipais. Se dúvidas subsistissem, elas foram completamente dissipadas no passado sábado: os homens que governam Gaia e Porto só se entendem em festejos mais ou menos feéricos e de impacto popular imediatista. Depois dos aviões de competição e dos fogos de artifício da noite de S. João, Filipe Menezes e Rui Rio puseram-se de acordo, desta vez para apoiar um evento promocional de um projecto que promete transformar-se «numa referência na vida cultural das duas cidades».

O Festival Internacional de Rua pode de facto ajudar a «reanimar as áreas classificadas como Património Mundial da Humanidade do Porto e de Gaia, com particular destaque para o cenário do Rio Douro, e a reposicionar a Área Metropolitana nos circuitos culturais e turísticos da Europa», como ambiciona a Fundação da Juventude, entidade responsável pela sua organização. Pode, claro que pode. Um festival abrangente como este, que envolve música, teatro, dança e vídeo, que aglutina vários agentes culturais, pode potenciar o turismo da região. Mas de que servirá o brilho e a grandiosidade da “festa”, se a poucos metros das ribeiras de Gaia e do Porto, a nascente da ponte D. Luís, continuar a morrer lentamente uma das maiores jóias da engenharia mundial e uma das marcas mais fortes na história da vida da gente nortenha?

Muitos têm sido os projectos propostos para a revitalização da ponte Maria Pia, subscritos por homens e mulheres de vários quadrantes políticos, desde que ela foi desactivada, há 16 anos, encontrando-se até hoje sem qualquer utilidade funcional. As duas ideias que conquistaram mais simpatias consubstanciam-se na recuperação da sua vocação ferroviária com a criação de um comboio turístico e histórico que ligue as duas margens do rio ou, em alternativa, na sua transformação numa pista ciclo-pedonal. Esta última proposta foi a que reuniu mais consenso, sendo defendida desde a primeira hora pela Liga dos Amigos da Ponte Maria Pia, que tem como principal dinamizador Almeida e Sousa, um reputado engenheiro que garante ter a estrutura condições de segurança para uso de ciclistas e peões, «embora necessite de alguma reparação».

Mais de dez anos depois da desactivação da ponte, em inícios de 2003, o actual presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses, Manuel Moreira, então Governador Civil do Porto, conseguiu sentar à mesma mesa alguns representantes da Refer e autarcas de Gaia e do Porto, visando a materialização do projecto de criação da unanimemente (?) desejada travessia ciclo-pedonal. Os resultados da reunião foram extremamente positivos, fazendo prever que a obra avançaria a muito breve trecho. Mas a articulação com os municípios viria a ser prejudicada com as alterações que entretanto se verificaram na vereação dos executivos autárquicos nas duas margens do Douro. Em Gaia, Jorge Queirós substituiu Poças Martins na condução do dossier, enquanto que, no Porto, Paulo Morais tomou o lugar de Ricardo Figueiredo.

Considerando que estava em causa uma obra de enorme interesse para as duas cidades, e uma vez que a Refer fazia depender o seu envolvimento no projecto de uma articulação entre as autarquias do Porto e de Gaia, que garantisse a reconversão das escarpas do Douro nas duas margens e o arranjo paisagístico da área, o ex-Governador Civil do Distrito do Porto envidou todos os esforços no sentido de alcançar esse desiderato, o que conseguiu após duas intensas reuniões trilaterais. Como corolário desse trabalho, as Câmaras do Porto e de Gaia obrigaram-se, nos termos de um protocolo então celebrado, a estabelecer o prolongamento de corredores ciclo-pedonais nas duas margens, e a Refer comprometeu-se a proceder à desafectação dos terrenos quando estivessem totalmente definidos esses corredores.

Não sei o que fez a Câmara de Rui Rio desde então, mas nada aconteceu na margem direita do Douro que seja pelo menos visível. No que respeita à Câmara de Filipe Menezes, apenas sei que o executivo de Gaia apresentou em Assembleia Municipal, em meados do ano passado, um projecto que prevê a requalificação da margem esquerda do Rio a nascente da ponte D. Luís, entre a Calçada da Serra e o Cais de Quebrantões, que contempla a implantação de um passadiço, uma via rodoviária, um parque urbano, recintos para desporto informal, hortas sociais para os moradores, um museu ("Edgar Cardoso", a instalar no antigo laboratório da ponte S. João), espaços para a prática de desportos radicais, um jardim, um parque de estacionamento, etc, etc, etc, sendo que nestes "et ceteras" a Escarpa da Serra do Pilar assume papel importante.

Aquela proposta defendida pelo gabinete do vereador Mário Fontemanha é surrealista no plano financeiro e perigosa em termos de impacto social. Surrealista (e megalómana!), porque mete no “mesmo saco” a definição/execução de um corredor ciclo-pedonal na margem esquerda do Douro que desemboque na ponte Maria Pia (perfeitamente exequível) e um conjunto de projectos apenas realizáveis num ciclo económico favorável e no quadro de uma Câmara financeiramente saudável, o que não é o caso; Perigosa (e injusta!) do ponto vista social, porque propõe demolir, em vez de recuperar e regularizar, um considerável aglomerado de habitações construídas por dezenas de famílias a quem o município continua (escandalosamente) a cobrar serviços que não lhes presta... naquelas suas casas enganosamente rotuladas de clandestinas.

A requalificação da Escarpa da Serra do Pilar e o seu arranjo paisagístico não têm de ser feitos à custa de demolições “selvagens” e da deslocação da população ali residente, visando porventura a transferência do espaço para as mãos dos grandes investidores privados proponentes de empreendimentos destinados a “classes endinheiradas”, ou hipotecando ainda mais o futuro da gestão da autarquia com projectos que a sua situação financeira desaconselha. Cuide-se para já da limpeza e consolidação dos elementos naturais, antes que as chuvadas do próximo Inverno se anunciem e protagonizem réplicas de tragédias vividas no passado; Recupere-se e reabilite-se o edificado; Rectifique-se o traçado e perfil dos arruamentos; Crie-se espaços de lazer e de serviços públicos; Construa-se infra-estruturas convenientes à salubrização da zona…

… E, já agora, se os senhores autarcas não se importam, defina-se rapidamente o corredor ciclo-pedonal que há-de ligar a margem fluvial de Vila Nova de Gaia à velha ponte ferroviária projectada por Gustave Eiffel e exija-se da Refer que cumpra a sua parte. O QREN está aí e é receptivo a candidaturas que tenham por objecto a reabilitação, conservação e reanimação de Monumentos Nacionais. Nós não podemos admitir que se consuma o “crime de homicídio por negligência” a que parecem querer condenar a ponte Maria Pia!!!

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