Sunday, December 16, 2007

A ANTIGA ESCOLA RÉGIA, PATRIMÓNIO DA JUNTA DE FREGUESIA DE SANTA MARINHA, CONTINUA AO ABANDONO E AMEAÇA RUIR A QUALQUER MOMENTO

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Confesso que estou desolado. Passei ontem pela antiga Escola Régia, no Candal, um edifício de grande carga histórico-cultural simbólica, construído em fins do século XIX, que faz parte do imaginário de muitos santamarinhenses, propriedade da Junta de Freguesia, para o qual urge encontrar nova vocação que resulte preferencialmente de uma ampla discussão pública local, e fiquei aterrado com o elevado estado de degradação em que se encontra, apresentando preocupantes sinais de ruína iminente. Há cerca de trinta anos que a escola foi desactivada e o imóvel, onde outrora se educaram e formaram cidadãos para uma vida digna e responsável, serve agora de abrigo a marginais e toxicodependentes…

Durante as campanhas eleitorais para a Assembleia de Freguesia, o velho edifício da rua Alexandre Herculano tem sido sempre utilizado como uma das maiores bandeiras políticas de quase todos os Partidos, traduzidas em promessas de reabilitação do espaço, consubstanciadas nos mais diversos projectos de índole social. Nas últimas “autárquicas”, por exemplo, o PS defendia a sua transformação numa Delegação da Junta e num Pólo de Animação destinado principalmente à Juventude, constituído por uma Biblioteca e por um Centro de Informática e Multimédia. A Coligação “Gaia Na Frente” (PSD/CDS-PP), que viria a ganhar as eleições, prometia “apenas” reconstruir e revitalizar o edifício.

Soube-se depois que o projecto da equipa liderada por Joaquim Leite, que preside aos destinos da freguesia há mais de seis anos, passa pela cedência do direito de superfície daquele espaço por vinte anos a uma instituição vocacionada para o ensino e acolhimento dos mais jovens, com valências de berçário e creche/infantário, que se responsabilize pela recuperação e requalificação do edifício no prazo de um ano, dê preferência de admissão às crianças de Santa Marinha e atribua anualmente três (!...) bolsas de frequência gratuita a utentes designados pela Junta. Nesse sentido, terão sido contactadas diversas estruturas privadas de Vila Nova de Gaia. Mas, a verdade é que até hoje… nada!

Em Setembro de 2006, o executivo da Junta de Santa Marinha garantiu o interesse do ISLA num acordo com estes contornos, mas tal desiderato nunca se concretizou. Falou-se depois com alguma insistência numa hipotética parceria com o Centro Social Candal/Marco, mas o processo arrasta-se há tanto tempo que tudo indica que também esta relação nunca chegue a ganhar corpo. Sinceramente, não consigo perceber as razões deste impasse, nem vejo razões objectivas para que estejamos cativos das indecisões, avanços e recuos de terceiros. Da mesma forma que considero que o projecto carece de maior transparência e aconselha uma discussão séria e profunda sobre a bondade dos pressupostos enunciados.

Com a teimosia, o autismo, a inércia e o défice democrático que envolve a condução de todo o processo, a Junta de Freguesia tem perdido inúmeras oportunidades soberanas de captar financiamentos de várias origens, através da elaboração e apresentação de Candidaturas ancoradas em projectos de âmbito social e cultural, voltados para sectores específicos da população ou destinados a actividades de carácter mais abrangente, multidisciplinar e intergeracional, que podiam ter como sede de trabalho o edifício da antiga Escola Régia e a sua consequente recuperação e animação. Estou a recordar-me, por exemplo, do Programa Escolhas, do Programa Operacional da Cultura e do Programa Pares.

O primeiro Programa tem como objecto a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos sócio-económicos vulneráveis, através do desenvolvimento de actividades de promoção do sucesso escolar, da concepção, implementação e financiamento de projectos de apoio aos alunos socialmente mais carenciados. O diploma legal que o rege prevê ainda a aplicação de medidas de educação especiais que facilitem a reintegração escolar de crianças e jovens que tenham abandonado precocemente a escola, procurando criar um espírito de cidadania, simultaneamente crítico e construtivo, permitindo-lhes uma integração plena na sociedade, em igualdade de circunstâncias com todos os outros jovens.

O segundo Programa, coordenado pelo Ministério da Cultura, contemplava um Plano de Apoio Financeiro que tinha como objectivo a promoção e animação de sítios e edifícios históricos, bem como a construção, recuperação e valorização de recintos culturais. Com esta medida procurava combater-se localmente o actual estado de degradação de monumentos e lugares históricos (alguns deles com patologias causadas por actos de vandalismo e outros em estado de ruína iminente por incúria), reabilitando-os e pugnando pela sua preservação e animação, valorizando-os como património e aproximando-os das populações para seu usufruto pleno e consciencialização da importância da sua defesa.

O terceiro Programa visa o aumento da capacidade instalada em respostas nas áreas da infância e juventude, das pessoas com deficiência e da população idosa, alargando a rede de equipamentos que têm por missão assegurar o bem-estar e a melhoria das condições de vida dos cidadãos e das famílias, apostando na criação de novos lugares em respostas sociais destinadas às crianças (facilitando a conciliação da vida familiar com a actividade profissional), às pessoas idosas (criando condições que promovam a sua autonomia e melhorem a resposta ao envelhecimento e às situações de dependência) e às pessoas com deficiência (promovendo maiores níveis de integração e o pleno exercício da cidadania).

Face a este manancial de oportunidades desperdiçado no que concerne à recuperação do edifício da antiga Escola Régia (para não referir outros casos mais gritantes…), percebe-se que o presidente Joaquim Leite tem uma visão muito redutora do cargo que ocupa e das responsabilidades e competências que são cometidas a uma Junta e às suas dinâmicas de interacção com os demais poderes públicos e a sociedade civil. É absolutamente notório que lhe falta uma visão estratégica para a freguesia, uma equipa coesa e activa que desenhe e corporize projectos estruturantes, força reivindicativa junto dos poderes de decisão política, tanto a nível concelhio como regional ou nacional, e capacidade de mobilização das “forças vivas” locais.

Santa Marinha não é “apenas” uma das vinte e quatro freguesias de Vila Nova de Gaia. A sua importância em termos demográficos e patrimoniais consagra-lhe autoridade para ser mais exigente e reivindicativa. É preciso recordar a todos os poderes, políticos e financeiros, que o território que a Junta abrange é de vital importância para o desenvolvimento do Concelho. No Centro Histórico (Beira rio, Serra do Pilar, Castelo…) e em toda a área envolvente, abrem-se janelas de oportunidade de investimento num segmento económico em franca expansão: o turismo cultural. É isso que anseio para Santa Marinha, e não que a freguesia se transforme na montra dos ricos, dos condomínios de luxo, do ténis e do golfe!...

O enorme potencial que representa a história, a paisagem natural e o edificado de Santa Marinha no contexto do turismo direccionado para o conhecimento histórico e cultural das regiões fundadoras das nacionalidades pode inverter o risco do êxodo forçado da população, com a consequente destruição da “alma dos lugares” (como já acontece à beira rio e na escarpa da Serra do Pilar). E isso passa por um discurso pedagógico e informado a nível institucional, mas também pela valorização do património. A reabilitação da Escola Régia podia servir como um sinal de que Santa Marinha não quer ser o que a Câmara deseja!... E esse sinal tinha de ser dado hoje. Receio que amanhã já seja tarde demais!

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