Sunday, December 09, 2007

A SOLIDÃO E O ISOLAMENTO NÃO SE COMBATEM COM PASSEIOS E ALMOÇOS DE NATAL!...

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Vem aí o Natal e a cidade encheu-se de brilho e de cor. A satisfação é plena e faz-se luz no consumismo instalado no espírito pervertido da quadra natalícia, que uns alimentam e reforçam, agasalhando muitas vezes o ego com coisas fúteis e inúteis, enquanto outros vão contando trocos para aquecerem o frio das suas necessidades mais básicas. Entre estes últimos estão inúmeros homens e mulheres de Santa Marinha, que a sorte madrasta da vida atirou contra as malhas gélidas e sombrias de uma velhice sem afectos, marcados com o ferrete da solidão e da pobreza. Estes dispensam os produtos mediatizados que enchem os expositores das lojas da moda e o “circo” social dos passeios públicos nos centros comerciais. Eles anseiam apenas pelo conforto de uma palavra amiga e por um abraço fraterno de esperança e solidariedade.

Viver só não significa, necessariamente, viver em solidão; e ser pobre, mesmo em idade avançada, não representa, forçosamente, perder a auto-estima e a confiança num amanhã mais próspero. Na ausência de redes familiares activas ou de vizinhanças solidárias, que superem a solidão e ajudem a mitigar os efeitos da pobreza, urge propiciar serviços sociais alternativos de apoio e acompanhamento a quem vive só e em dificuldades. A carência de equipamentos públicos com essa vocação não pode ser desculpa para nada fazer. Pelo contrário. Compete ao poder local, a nível de freguesia, construir um primeiro patamar de apoio e aconselhamento que impeça que a solidão e a pobreza se transformem numa mistura social explosiva, cujas consequências são imprevisíveis e degeneram quase sempre em dramas humanos devastadores.

O factor de proximidade é garante do conhecimento das realidades locais nos mais diversos planos, facilitador de um levantamento rigoroso dos focos de solidão e de pobreza que enfermam as freguesias, permitindo a caracterização e identificação das situações mais dramáticas sem necessidade de proceder a grandes e complexos estudos sociológicos ou económicos. Mas a verdade é que nem sequer esse trabalho foi feito até hoje pela nossa Junta, apesar da existência de uma Comissão Social criada no quadro da Resolução do Conselho de Ministros n.º 197/97. Até ao momento parece não haver nada que nos possibilite sequer esboçar um retrato genérico sobre a realidade social de Santa Marinha, de forma a sustentar a definição de uma política integrada que vise o combate e a erradicação desta e de outras chagas sociais.

Recordo que aquela Comissão Social tem como desígnio «a promoção da articulação progressiva da intervenção social dos agentes locais, a sinalização das situações mais graves de pobreza e exclusão social existentes na sua área territorial, bem como a apreciação de propostas de solução a partir dos recursos locais e/ou nacionais e a recolha de informação que possibilite suportar a produção de diagnósticos e a difusão de estatísticas e outras informações pertinentes à população e agentes locais». Ou seja, o que se pretende com esta Comissão é desenvolver parcerias dinâmicas, que articulem a intervenção social dos diferentes agentes locais, de forma que o desenvolvimento social resulte de um planeamento concertado, que potencie sinergias, competências e recursos a nível de freguesia.

Com esta importante “ferramenta” de trabalho à mão, o que faz o presidente da Junta de Santa Marinha? Estranhamente, nada de estruturante e de sustentável foi feito. E a nossa freguesia é uma das mais populosas e envelhecidas do Concelho, de carências gritantes nos mais diversos níveis do foro social, com elevados e preocupantes índices de pobreza e de exclusão!... Que eu saiba, este ano a Junta realizou uma ou duas excursões de seniores, tentou resolver de forma tímida e casuística algumas situações mais prementes, associou-se a um Almoço para residentes da zona ribeirinha organizado pelo Restaurante Tromba Rija, e, claro, prepara-se para promover o tradicional Almoço de Natal, que este ano tem lugar no próximo sábado, dia 15 de Dezembro, no Pavilhão do Sporting Clube de Coimbrões.

É pouco, muito pouco, quase nada! Em finais de 2005 desafiei o presidente da Junta, em reunião de Assembleia de Freguesia, a instituir 2006 como o Ano Zero de uma Verdadeira Política de Acção Social em Santa Marinha. Fez ouvidos moucos, “assobiou para o lado e mandou-me às malvas”. Insisti com o assunto algumas semanas depois e a resposta foi a mesma: um silêncio ensurdecedor que me doeu na alma. Infelizmente, ele não percebe a gravidade da situação em que vivem alguns dos nossos idosos e que é absolutamente urgente conceber e desenvolver formas inteligentes de cooperação com os vários agentes locais, desde o movimento associativo ao tecido empresarial, que visem o combate da solidão e do isolamento e criem condições à mitigação dos efeitos da pobreza que assola parte da população sénior!

Neste caso particular, como noutros domínios do social – a que voltarei oportunamente –, há uma imensidão de lacunas por colmatar, que passam designadamente pela criação de uma rede de Centros de Dia e de Convívio, pela constituição de Programas Integrados de Apoio Domiciliário e pela organização de Jornadas de Animação Sócio-Cultural ancoradas em medidas que contribuam para a promoção da auto-estima dos mais velhos, ajudando-os a descobrir novas e diversas formas de participação na vida em sociedade (ao contrário do que os próprios possam pensar, eles são “peças” fundamentais na construção de um amanhã melhor!). Posso estar enganado em muitas das minhas convicções, mas de uma coisa estou absolutamente seguro: não é com passeios e almoços de Natal que se combate a solidão e o isolamento!

1 Comments:

Blogger Unknown said...

O Sr. Salvador tem razão em muitos dos artigos que vai publicando. Neste, apenas tem parte da razão.
É compreensível. Ainda não conhece toda a freguesia, nem as instituições que possuem centros de dia/convívio, sem serem meros depósitos de pessoas.
Também não conhece as diversas valências que ao nível do apoio domiciliário é feito, diariamente, por várias entidades.
Contudo, tem razão num aspecto. Falta ao Sr. Presidente da Junta compreender a importância de um animador sócio-cultural, quer para apoiar os centros de convívio existentes quer para animar o depósito, vulgarmente conhecido por "Zé da Micha".
No entanto, é preciso compreender. A Junta, para a família dele, é o Centro de Convívio. E ele não precisa de um animador sócio cultural para julgar que é o melhor presidente que há memória...

6:52 AM  

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