Monday, March 24, 2008

BALANÇO DE DOIS ANOS E MEIO DE POLÍTICA CULTURAL EM VILA NOVA DE GAIA. RESULTADO: NEGATIVO!

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Um grande e inesperado volume de afazeres decorrentes da minha actividade profissional impediu-me de manter, nas últimas duas semanas, a periodicidade com que venho animando este espaço de reflexão e critica exclusivamente dedicado às gentes e aos problemas de Santa Marinha, uma das maiores freguesias do País, tanto em termos demográficos como geográficos. Hoje, excepcionalmente, o tema em apreço é transversal a todo o Concelho de Gaia. Trata-se de um vector estratégico de desenvolvimento que não se pode restringir a uma parte da população do Município ou apenas a uma parcela do seu território. Estou a referir-me à Cultura, sobretudo enquanto módulo de formação e qualificação, plataforma de criação artística nas suas várias vertentes e espaço de fruição das artes e do património.

Situemo-nos primeiro no tempo. Após as eleições autárquicas de Outubro de 2005, Luís Filipe Menezes fez saber, em publicidade paga de página inteira, nos diversos jornais locais, que Gaia é «Uma Cidade de Cultura», ao mesmo tempo que Mário Dorminsky afirmava que era preciso «tirar Gaia do anonimato cultural em que vive» e prometia solenemente «colocar a cidade no mapa cultural do País». Não podia ser mais clara a disparidade quanto ao entendimento que o presidente da autarquia e o vereador da Cultura tinham da verdadeira expressão cultural do Concelho. Meses depois, as opiniões de ambos ganhavam nova clivagem. Filipe Menezes vangloriava-se das infra-estruturas culturais por si construídas e Mário Dorminsky queixava-se da falta de equipamentos adequados à realização de grandes eventos.

Cultura, para Mário Dorminsky, é apenas isto: eventos! Transformar a cidade num grande Salão de Festas, envolvendo os nomes mais sonantes do espectáculo, em desfile sobre passadeiras vermelhas, com braçados de flores de todas as cores, muita purpurina e lantejoulas: é este o sonho do vereador. Haja festa, porque o que é preciso é entreter a população, fazê-la desopilar, esquecer as agruras da vida. E é exactamente aqui que reside a diferença entre Cultura e o que ele nos quer dar. Enquanto o entretenimento nos adormece a consciência, nos afasta dos problemas e anestesia tudo o que nos dói, tanto do ponto de vista social, como a nível político, a Cultura questiona-nos, obriga-nos a pensar, eleva-nos o espírito, cultiva-nos o sentido crítico, enriquece-nos o conhecimento e estimula-nos a prática da cidadania.

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não disse o que pensa sobre “as Artes na Educação” ou sobre “a educação pelas Artes”. E será que ele sabe que Cultura é a interacção das diversas disciplinas escolares e científicas com os demais saberes técnicos, tecnológicos e artísticos, desiderato que facilita e promove a troca de experiências e o cruzamento de conhecimentos? A ligação entre a Educação e a Cultura é, aliás, um dos pilares fundamentais de uma verdadeira política cultural. Sem esta interacção não há projecto que se sedimente, ganhe raízes, floresça. E não se pense que esta questão, determinante na elevação do nível cultural das populações, se compadece com políticas sem planeamento, meramente pontuais e executadas ao sabor do improviso ou da inspiração do momento, como tem acontecido em Gaia.

Dorminsky fala de eventos, mas não nos disse ainda qual o seu projecto ao nível da formação e qualificação para lá da rede escolar. Porque convém que tenhamos consciência de que não é apenas na Escola que nos formamos. Temos muito que aprender, por exemplo, com as marcas da nossa história inscritas em cada beco, em cada recanto das nossas freguesias, nas pedras das suas centenárias calçadas, nos seus velhos casarios e, claro, nos seus monumentos, que nos ajudam a identificar como povo. Por isso, para além do dever que temos de manter um olhar atento sobre as condições de preservação do nosso património histórico edificado, temos de realizar programas de animação e de promoção que despertem as consciências para a riqueza da nossa memória colectiva. E o que faz o vereador da Cultura nestes domínios?...

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não nos disse nada sobre a demolição da Casa da Granja, sobre o abandono a que se votou a zona arqueológica do Lugar de Gaia, sobre o sítio de arte rupestre localizado em Canidelo, sobre o crime de lesa-património cometido na Torre do Facho do Fojo, sobre a ausência de projectos para o antigo Complexo Fabril das Devesas, sobre o ruidoso silêncio em torno da prometida criação do Núcleo Museológico dos Barcos Rabelo, sobre a sua passividade face à “destruição” da ala mais recente do Convento Corpus Christi, sobre o elevado estado de degradação de quase todo o património edificado ou sobre a inexistência de programas de animação e fruição dos jardins públicos e dos Monumentos e Lugares históricos de Gaia. Sobre estas questões, o vereador nada diz porque não sabe o que dizer.

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não nos explicou as razões do adiamento sine die da Candidatura das Caves do Vinho do Porto a Património da Humanidade junto da UNESCO, como se exigiria a um vereador que detém igualmente os pelouros do Património e do Turismo, áreas que se articulam e potenciam mutuamente. Por que será que ele se calou quando o presidente do Executivo camarário lhe retirou tão importante dossier e o transferiu para as mãos de alguém que tem por missão captar investimentos, maioritariamente destinados à construção imobiliária no Centro Histórico? Ou será que o vereador ainda não percebeu que está a pactuar com uma atitude irresponsável e leviana que pode comprometer a preservação de um dos mais importantes e atractivos complexos arquitectónicos vinícolas do Mundo?!

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não disse qual é a sua estratégia nos domínios do Livro. Será que ele ainda não percebeu que devia dedicar uma especial atenção à promoção da leitura e da escrita, desenvolvendo programas que contribuam para a difusão e defesa da Língua – o nosso maior bem identitário? As principais deficiências da preparação dos nossos jovens passam pela inexistência de hábitos de Leitura, problema que se reflecte também na Escrita! Os nossos jovens já quase não escrevem. E quando o fazem manifestam uma quase impossibilidade de materializar um pensamento, denotam uma ausência de capacidade de raciocínio e um vocabulário paupérrimo. É necessária uma política que estimule a leitura, a interpretação dos textos e a reflexão escrita sobre a sua mensagem. Mas a isso, o vereador da Cultura diz… nada!

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não percebeu que temos de assegurar planos de apoio sustentado aos criadores locais, acompanhando de perto e de forma critica o trabalho por eles desenvolvido, tanto nos domínios das artes como da investigação. Temos que contribuir activamente para a construção de objectos artísticos, no domínio de todas as expressões, do cinema ao vídeo, da música à multimédia, da dança ao teatro, da escultura à pintura, da fotografia ao designer, etc, visando uma implementação real da Cultura em Gaia. Para tal, temos que desbravar caminhos de emergência que abram “auto-estradas” para a construção do edifício cultural do amanhã, que ambicionamos se traduza na criação de infra-estruturas e na constituição de condições objectivas para o desenvolvimento de um trabalho estruturante e de futuro.

Dorminsky fala de eventos, mas ignora que um dos pilares estratégicos do “edifício cultural de Gaia” deve consubstanciar-se no reforço das relações institucionais com o movimento associativo, que se tem afirmado pela sua enorme pujança nos domínios da cultura popular. No entanto, é urgente melhorá-lo e abri-lo ao futuro, através de um diálogo de perfil dinamizador que potencie, qualifique e difunda a oferta dos bens culturais que produzem. Promovendo a convivência, a interacção, a complementaridade e a programação de iniciativas conjuntas entre os agentes culturais e o movimento associativo, é possível a concertação de estratégias que enriqueçam o tecido cultural de Gaia. Esse entendimento é essencial ao aumento da oferta e ao cruzamento de culturas singulares, tão ricas e diversas, cujas identidades importa preservar e promover.

Dorminsky fala de eventos, mas ainda não percebeu que outra das fragilidades estruturais do desenvolvimento cultural de Vila Nova de Gaia resulta da inexistência de um elo de ligação à economia baseada no conhecimento e que urge criar eixos de orientação que potenciem a convergência da Cultura com a Ciência. A Investigação, a Tecnologia, a Inovação e o Conhecimento têm um papel fundamental na transformação das sociedades. Há um enorme caminho a percorrer nestes domínios, através de sinergias agregadoras em áreas como a engenharia e a tecnologia, as ciências da vida e as suas aplicações. É urgente promover a abertura e interacção das disciplinas científicas e tecnológicas com outros saberes disciplinares que baseiam a criatividade, promovendo a troca de experiências e a fertilização cruzada dos conhecimentos.

Dorminsky fala de eventos, mas não tem a mínima ideia da importância da Cultura no desenvolvimento do Concelho. Ele não sabe que é necessária a cooperação e uma maior ligação às principais redes de conhecimento mundiais, criando novas actividades e gerando ideias inovadoras que tragam novos habitantes e investimentos, com vista ao objectivo central de melhorar de forma sustentada a qualidade de vida dos cidadãos. O capital humano é o principal factor de progresso e criador de riqueza, e só através do conhecimento, a que a criatividade e a inovação acrescentam valor, se consegue garantir o crescimento e desenvolvimento de uma sociedade. A economia baseada no conhecimento é a mais competitiva, dinâmica e a única capaz de criar desenvolvimento económico sustentável com mais e melhor emprego e maior coesão social.

Dorminsky fala de eventos, mas não tem consciência de que Vila Nova de Gaia precisa de se tornar num Concelho na fronteira do conhecimento, que se projecte no país com outros meios e outra ambição. Parte significativa do desenvolvimento económico e do valor acrescentado das economias modernas tem por base o progresso do conhecimento científico e a sua aplicação em novas tecnologias. A concorrência dos mercados actuais forçam-nos a encarar a inovação como única resposta para o desenvolvimento, e mesmo para a sobrevivência económica de Gaia. Os comportamentos humanos, a organização das instituições e da sociedade e a estruturação das actividades económicas têm sofrido profundas transformações, fruto das rápidas evoluções científicas e tecnológicas a que assistimos quase diariamente.

Dorminsky fala de eventos, mas não sabe que é indispensável ganhar o desafio de dotar Gaia de mecanismos sustentáveis de crescimento económico e humano, que permitam a todos os cidadãos atingir o seu potencial máximo, visando a construção de um Concelho mais atractivo e competitivo. Gaia reúne todas as condições para tal, desenvolvendo uma estratégia de longo prazo e definindo os grandes eixos de orientação que permitirão maximizar o seu potencial criativo. Um desses grandes eixos deve assentar numa aposta clara nas indústrias criativas, através da constituição de uma Estrutura que aglutine núcleos de produção de “objectos” com origem na criatividade, no talento e nas capacidades individuais, com potencial para a geração de riqueza e emprego, que advém da criação e exploração da propriedade intelectual.

Dorminsky fala de eventos, mas parece desconhecer que as indústrias criativas constituem hoje o sector com maior crescimento e com um peso mais significativo na criação de emprego, riqueza e exportações, por estar focado na produção de valor acrescentado e operar com base na inovação. Por outro lado, este sector, que o vereador vem ignorando, tem a capacidade de criar cidades com imagem forte e atractiva, cosmopolitas, tolerantes, amenas, com melhor qualidade ambiental. O desenvolvimento deste sector não é apenas uma aposta no crescimento económico e na inovação, é também uma aposta na qualidade de vida da cidade e dos cidadãos. Para além de lugares privilegiados para a criação, os núcleos de produção das indústrias criativas são também espaços de circulação de empreendedores, públicos, ideias, informação e conhecimento.

Dorminsky fala de eventos, mas ignora que os núcleos de produção das indústrias criativas poderão ser motores de parcerias com o ensino, com a ciência, com a investigação, e facilitadores do escoamento de produtos através do acesso a redes de distribuição internacionais. Estas indústrias, marcadas pelo conhecimento, pela tecnologia e pela imaginação, encontrarão terreno fértil por todo o Concelho. Vila Nova de Gaia tem 24 freguesias, cada uma com identidade própria, mas todas com um potencial grandioso. Uma das maiores riquezas do Concelho é a sua diversidade de valores, tradições e culturas, e a sua multiplicidade de paisagens e de manchas verdes únicas. Um Concelho assim é o palco ideal para a implementação e desenvolvimento de projectos criativos e inovadores, baseados nas novas tecnologias, na ciência e no conhecimento.

Dorminsky fala de eventos… e a tudo isto diz nada! Ele não tem uma ideia, uma estratégia, uma política Cultural para o Concelho. Com a sua programação de eventos, ele apenas conseguirá manter em níveis inferiores o desenvolvimento do saber, do gosto, da sensibilidade e da vontade de criar ou de fruir arte e cultura em Gaia. Ele não sabe nada de Cultura, mas apenas de eventos, no que é secundado pelo putativo candidato da direita à presidência do Município em 2009. Ora vejam o que esse senhor diz: «Gaia é já a capital da cultura na Área Metropolitana do Porto, com uma agenda de referência na região e no país pela multiplicidade e qualidade das actividades (eventos, diria Dorminsky)». Com gente assim, capaz de afirmar tão ridículo disparate, Gaia nunca terá uma vivência cultural rica e diversificada que nos orgulhe e honre a sua história.

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