Thursday, March 06, 2008

A GRANDE ENTREVISTA DO “VEREADOR DO COMÉRCIO, DO LAZER E DA HOTELARIA”…

salvadorpereirasantos@hotmail.com

«Uma bomba gigantesca será notícia para o Arquivo Municipal». Foi este o título que fez a manchete do Jornal de Gaia na sua edição de 17 de Janeiro de 2008. Repescada de uma longa entrevista concedida em exclusivo pelo vereador Mário Dorminsky, aquela enigmática frase ganharia contornos ainda mais misteriosos quando o responsável pelo pelouro da Cultura, Turismo e Património da Câmara Municipal de Gaia adiantou que não seria ele a dizer concretamente do que se tratava. Referia-se, obviamente, ao facto de não lhe estar destinado o papel de mensageiro de “tão boa e explosiva nova”, mas sim ao presidente da autarquia, Luís Filipe Menezes. Redundou, porém, numa tremenda frustração a expectativa criada.

Soube no passado fim-de-semana, pelo mesmo semanário gaiense, que a tal “bomba gigantesca” não passa afinal de um tirinho de pólvora seca, sobretudo para quem pensa como Dorminsky («o que nasceu no Porto deve ficar no Porto» – diz ele na citada entrevista). Isto porque a “bombástica” notícia a que o vereador se referia no início do ano tem a ver com a possibilidade do património documental do extinto Jornal Comércio do Porto vir a integrar o Arquivo Municipal de… Gaia! Mais relevante seria garantir o depósito de todo o acervo histórico da Real Companhia Velha no Arquivo Municipal, desiderato ainda em negociações e que o vereador da Cultura parece desvalorizar. Por omissão ou ignorância?

Os sinais de ignorância e as omissões são, aliás, o que mais se evidencia na entrevista do vereador. Quando ele diz que «o pelouro da Cultura não faz mais nenhum concerto no Pavilhão Municipal, (porque) aquilo é um nojo!», o que revela? Ignorância?! É verdade que o espaço não reúne as melhores condições acústicas para alguns tipos de eventos, mas o vereador não podia ignorar esse facto ao programar concertos para o local. Ressalvo, porém, que o Pavilhão não é propriamente “um nojo”. Convém sublinhar que existem múltiplas soluções inovadoras nos domínios da engenharia acústica capazes de suprir as deficiências de comportamento do som num espaço com aquelas características. E isso não foi acautelado. Por ignorância!

Foi também por ignorância que Dorminsky nada fez para impedir que o Cine-Teatro Eduardo Brazão resultasse na aberração que agora condena e critica, dizendo que nada tem a ver com os erros técnicos cometidos. Recordo que a “primeira pedra” de requalificação daquele espaço foi lançada em Outubro de 2005 e que nesse mesmo mês Mário Dorminsky foi eleito vereador da Cultura (e do Património!...). Ainda estava a tempo de corrigir os erros do projecto. A sua ignorância técnica não justifica a passividade e a inércia. Bastaria a contratação de um engenheiro de cena ou de um técnico de palco com autoridade e conhecimentos bastantes para dizer: Parem. Estão a desbaratar dinheiro do erário público e a cometer um crime de lesa-património cultural.

Mário Dorminsky queixa-se agora amargamente de que pouco ou nada pode fazer no Cine-Teatro Eduardo Brazão, por razões de ordem técnica, designadamente por este não ter urdimento, teia, etc… e possuir apenas dois camarins. Argumenta que não percebe porque se investiu em pinturas artísticas na sala e se descurou o palco. Enfim, como se ele estivesse isento de culpas! Espero muito sinceramente que o vereador não deixe agora que se cometam os mesmos erros (ou outros) no auditório (só um?!...) e demais espaços culturais (?...) que venham a integrar o equipamento híbrido que vai substituir/destruir uma das peças mais emblemáticas do património histórico do Vinho do Porto, à beira-rio – as antigas instalações da Real Companhia Velha.

Nas palavras do vereador, ali, no coração do Centro Histórico, nascerá em Junho de 2009 (por coincidência, nesse ano há eleições!...) «um equipamento que será um centro comercial de produtos culturais e também um centro de lazer, que terá um hotel». Esta curiosa interpretação da vocação de uma infra-estrutura que começou por se chamar Centro Cultural de Gaia poderá determinar que Mário Dorminsky fique inscrito na história do Município como uma espécie de vereador do Comércio, do Lazer e da Hotelaria. Até porque, diz ele, «são catorze (!!!) os hotéis prontos a arrancar com a sua construção». Todos de quatro estrelas para cima – enaltece o vereador, sendo que, pelo menos dois deles emergirão do pouco que vai restando das Caves.

Talvez os gaienses comecem finalmente a perceber as razões porque nunca mais se ouviu falar de uma das principais “bandeiras eleitorais” de Luís Filipe Menezes na campanha para as Autárquicas em 2005: a candidatura das Caves do Vinho do Porto a Património da Humanidade. A apresentação daquela candidatura junto da UNESCO já teve várias datas anunciadas, mas vem sendo estranha e sucessivamente adiada. Porquê? Será que os investimentos privados que a Câmara tem vindo a anunciar com grande pompa e circunstância prenunciam a inevitabilidade do pagamento de uma factura demasiadamente pesada para o futuro das Caves e para o miolo do Centro Histórico, traduzida na destruição da riqueza única que Gaia ali encerra?!

Afinal, os grandes investimentos privados, nacionais e estrangeiros, que a Câmara Municipal diz ter já garantido, traduzir-se-ão em quê? Na valorização interna e turística das Caves do Vinho do Porto e do Centro Histórico de Gaia, preservando a sua memória e carácter? Ou, pelo contrário, abrirão caminho à delapidação de uma das maiores riquezas patrimoniais que nos foi legada e que temos como missão transmitir aos vindouros em estado que não nos envergonhe como usufrutuários e fiéis depositários da nossa memória colectiva?!... Será que Mário Dorminsky ignora que Vila Nova de Gaia possui uma das arquitecturas vinícolas mais atractivas do Mundo e um património histórico imaterial inestimável? Talvez…

Terá sido por essa ignorância que o vereador da Cultura, Património e Turismo admitiu sem pestanejar que o dossier de Candidatura das Caves do Vinho do Porto a Património da Humanidade deixasse de ser tutelado por si e passasse para as mãos de António Martins da Cruz, presidente de Administração da Agência Municipal para a Captação de Investimentos – AMIGaia?!.... Ou será que ele anda a “reboque” das decisões voláteis e “zigue-zagueantes” de Luís Filipe Menezes?! E por qual destas razões terá ele permitido a “amputação” do Convento Corpus Christi? Na entrevista a que me reporto, Dorminsky afirma que teve de sacrificar a «ideia que tinha para aquele espaço, por uma opção política da Câmara», cedendo uma parte do Convento à Gaiurb!!!...

A escrita já vai longa. Fico-me hoje por aqui, mas prometo voltar na próxima semana para abordar outros assuntos da área da Cultura, designadamente a requalificação dos Estaleiros dos Barcos Rabelos, o projecto Gaia-Capital Nacional da Escultura, o abandono da zona arqueológica do Lugar de Gaia, o desprezo a que se votou a Fábrica de Cerâmica das Devesas, o folhetim da Casa-Atelier Soares dos Reis, a falta de estratégias na área do Livro e da Leitura, a desarticulação da programação da Casa Barbot/Casa da Cultura e do Auditório Municipal, a vocação do Mosteiro da Serra do Pilar e as relações institucionais com o movimento associativo, com a economia do conhecimento, com as indústrias criativas e com o universo cientifico...

Estes são apenas alguns dos temas que me ajudarão a fazer o balanço do trabalho (não)realizado desde finais de 2005 pelo homem que há cerca de cinco anos chegou a Gaia para realizar um festival de cinema, processo sobre o qual ainda hoje se queixa (pese embora lhe tenha então sido prometido um espaço no Centro Cultural de Gaia para a instalação da “sua” cooperativa Cinema Novo – o que, pelos vistos, parece não concretizar-se). Diz ele na entrevista que as quezílias foram muitas. Ao que parece, a relação não foi nada fácil porque «o que na altura se tinha falado, depois já não era a mesma coisa» e ele acabou por ficar com «uma ideia muita estranha da maneira de funcionar da Câmara». Enfim, direi eu, está tudo como dantes no Quartel de Abrantes…

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