SANTA MARINHA, MEU AMOR

Sunday, October 26, 2008

CONDICIONAMENTO DE TRÂNSITO NO CENTRO HISTÓRICO DE GAIA: FALTA ESCLARECER MUITA COISA

salvadorpereirasantos@hotmail.com

A Câmara de Gaia cumpriu a “ameaça”! Entrou esta manhã em funcionamento o sistema de regulação de estacionamento e circulação de trânsito no Centro Histórico, condicionado a moradores e comerciantes do perímetro intervencionado. Apesar do equipamento de videovigilância não ter sido ainda activado, por falta de autorização da Comissão Nacional da Protecção de Dados, os automóveis que não tenham livre-trânsito da Via Verde Portugal (Brisa) já não entram no miolo urbano da beira-rio. Entretanto, os cidadãos que vivem na marginal e tenham de aceder à parte alta da área condicionada têm de palmilhar a pé as ruas íngremes ou esperar por um mini-bus e pagar 50 cêntimos!... Em todo este processo ficam outras questões por esclarecer, razão porque recupero parte de um texto publicado em Agosto passado:

«Se o verdadeiro propósito da Câmara Municipal fosse libertar de trânsito o miolo urbano da beira-rio e acabar de vez com o estacionamento selvagem que ali tem imperado, diminuindo a segurança e dificultando a vida de quem lá vive e trabalha, limitar-se-ia a condicionar o tráfego automóvel a moradores, empresários e dirigentes associativos (isentando-os de qualquer pagamento!). Mas não. De acordo com a leitura que faço do artigo 7º do Regulamento em vigor, só os moradores beneficiam de gratuitidade na aquisição (até ao limite de dois por fogo habitacional) dos identificadores que permitem o acesso à área condicionada. Os empresários e dirigentes associativos que tenham ali sede de actividade têm de pagar cerca de 30 euros (por veículo!...) se quiserem circular pelo Centro Histórico.

Por outro lado, aquele Regulamento omite a possibilidade dos familiares dos moradores acederem com as suas viaturas à zona condicionada (ou será que a Via Verde Portugal também tem legitimidade para cobrar 30 euros por cada um desses carros?!...). Recordo que a grande maioria dos moradores são idosos, boa parte deles de mobilidade reduzida, que vivem sós e têm por maior anseio receber a visita dos seus familiares, e com eles saírem em passeio, o que acontece normalmente apenas aos fins-de-semana. Será possível que estes cidadãos não possam aceder ao Centro Histórico ou tenham de pagar para visitar os seus pais, irmãos, sogros e avós?! Julgo que sim. E o mesmo parece acontecer com os antigos moradores da zona que foram deslocados para outros lugares do concelho com a promessa de regressarem ao local onde sempre viveram...

Na verdade, a ser correcta a leitura que faço do Regulamento, os cidadãos que foram desalojados da beira-rio também estão igualmente impedidos de circular pelo miolo urbano do Centro Histórico, onde muitos nasceram e viveram durante largas dezenas de anos, sentindo-se desenraizados nos lugares onde agora vivem, conservando ainda hoje os hábitos de socialização de sempre, o que os leva a visitar com frequência os seus amigos de infância, os seus antigos vizinhos de prédio, os seus lugares de convívio e os recantos das suas brincadeiras de criança. E o que acontece agora a estas pessoas que sempre consideraram como “sua” a rua onde nasceram e moraram durante quase uma vida inteira? Ser-lhes-á simplesmente vedada a entrada dos seus carros no Centro Histórico… ou terão de pagar 30 euros a uma empresa privada para lá entrarem?!

O preâmbulo do Regulamento de Condicionamento de Trânsito e de Estacionamento do Centro Histórico enuncia como algumas das razões para a sua aprovação e implementação «a antiguidade de algumas das edificações, que possuem fraco índice de protecção relativamente a incêndios, para além de uma população residente envelhecida, factores que contribuem para alta perigosidade em caso de acidente», acentuando que está «em causa a segurança de pessoas e bens dos residentes». Não se pode ser mais hipócrita! A regulação de estacionamento e circulação de trânsito facilita a «acessibilidade de veículos de socorro em caso de sinistro (incêndios, sismos, inundações, etc.) e o acesso a bocas-de-incêndio», mas não resolve o verdadeiro problema que contribui para o “aumento dos níveis de perigosidade do local”...

O que pode transformar o miolo do Centro Histórico num autêntico “barril de pólvora” é o abandono a que tem sido votado! As casas degradadas, semi-abandonadas ou totalmente devolutas, umas com patologias irreversíveis e outras sem as mínimas condições de habitabilidade, boa parte delas de propriedade municipal, que caracterizam neste momento a beira-rio profunda, significam não só um enorme perigo para a segurança das pessoas como podem representar um risco de consequências totalmente imprevisíveis para… a paz social no local! E isto porque a Câmara se tem servido ardilosamente desta situação para justificar o desalojamento de habitantes, promovendo a desertificação do Centro Histórico, em vez de reabilitar o seu património habitacional, mantendo o tecido social com os seus valores de identidade, de memória, de coesão e de solidariedade!...»

Friday, October 17, 2008

O CENTRO CULTURAL E RECREATIVO DA BEIRA-RIO GANHOU UM PISO SINTÉTICO MAS CONTINUA SEM PROJECTO SOCIAL

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Ao navegar esta manhã pelo mundo cibernético, dei conta de uma autêntica pérola no site da Câmara Municipal de Gaia. Ora leiam: «O Centro Cultural e Desportivo “Zé da Micha" representa um forte sinal da intervenção maciça de que está a ser alvo o Centro Histórico de Vila Nova de Gaia. Com o piso sintético inaugurado por Luís Filipe Menezes, fica suprida mais uma necessidade do espaço. Depois da valência de ténis de mesa, onde o C. D. Marco tem preparado alguns dos seus campeões, do lar de terceira idade e do centro de enfermagem, o Centro Cultural e Desportivo "Zé da Micha" assinalou mais um capítulo na sua história, ao inaugurar um piso sintético para o seu recinto». Fiquei estupefacto. Lar de Terceira Idade, onde?!...

Para além de rebaptizar o Centro Cultural e Recreativo da Beira-Rio (Zé da Micha) de Centro Cultural e Desportivo, a Câmara de Gaia fala de coisas que não existem. Aquele Complexo não possui, nem nunca possuiu, valência de Lar de Terceira Idade. Quanto muito podíamos considerar que existe uma valência de Centro de Dia, mas para isso seria necessário que as iniciativas que lá se desenvolvem tivessem outro carácter, ou seja, que não se limitassem a proporcionar aos mais idosos os tradicionais jogos de mesa (sueca, damas, dominó…), promovendo, por exemplo, o sentido de coesão de grupo, através do desenvolvimento de estratégias facilitadoras do envelhecimento activo, visando uma vida com mais qualidade e significado.

Um Centro de Dia não é um “depósito”. Um verdadeiro Centro de Dia deve atender às questões de pobreza extrema e criar condições para um eficaz combate ao isolamento, promovendo a participação da população adulta avançada na vida social da comunidade a que pertence, valorizando a importância do indivíduo e do colectivo, estimulando os aspectos de inter-ajuda e de cooperação, e adoptando formas de relacionamento com vista à compreensão dos benefícios da socialização. Um verdadeiro Centro de Dia deve treinar as capacidades mnésicas dos seniores, através de actividades que desenvolvam o pensamento crítico, ao mesmo tempo que se constrói um repositório dinâmico de memórias, de tradições, de hábitos culturais e de experiências vividas.

O Centro Cultural e Recreativo da Beira-Rio também podia ser, mas não é, um verdadeiro lugar de encontro e convívio entre gerações, aberto a todos, sem quaisquer exclusões. Acontece, porém, que boa parte do espaço está interdito a portadores de deficiência. Sim, é escandaloso, mas verdadeiro: os cidadãos deficientes ou com dificuldades de locomoção continuam sem poder aceder ao piso superior daquela infra-estrutura, onde fica situada a sala de convívio dos mais idosos, por falta de um simples elevador!... Será que Luís Filipe Meneses é insensível a este problema? Ele dotou o minúsculo campo de jogos de um piso sintético (o que se saúda) para que os mais jovens pratiquem desporto com melhores condições, mas ignorou a população sénior.

Mas… porquê? Por desconhecimento do que se passa ali? Será que quando foi inaugurar o piso sintético, o presidente da Câmara Municipal não se inteirou das questões que atrás suscito? E será que ele não viu também que a sala destinada ao posto de enfermagem não oferece as melhores condições para a prestação de cuidados de saúde? Aquele espaço precisa de ser reabilitado e dotado dos meios adequados ao serviço que presta, funcionando de forma integrada com um Centro de Dia “à séria”, que não seja um mero “depósito de gente” ou um simples espaço de convívio… apenas para alguns! A verdade é que Menezes e o seu presidente de Junta na freguesia de Santa Marinha continuam a negar-nos um verdadeiro projecto social para a Beira-Rio!...

Friday, October 10, 2008

A “FLOR AGRESTE” E OUTRAS HISTÓRIAS DE UMA CASA ABANDONADA

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Sempre que passo na rua Luís de Camões não consigo evitar que os meus olhos se fixem na grande janela que fica por cima da porta principal da Casa-Atelier de Soares dos Reis. Há dias, quedei-me a recordar a menina Branca, filha dos donos de uma antiga carvoaria vizinha, que, em criança, olhava deslumbrada aquela estranha janela. Ela sabia que ali vivia um artista, um professor, mas nunca o conseguia ver. A janela estava sempre fechada e as portas quase nunca se abriam. De vez em quando, via sair pela porta pequena uma senhora com um carrinho de bebé. Mas o professor, ela nunca o via. Até que um dia ele se desvendou. Aproximou-se dela e perguntou-lhe: «Queres que eu faça a tua cara em barro?» A menina de rosto tão fresco, tão gentil, tão puro como uma flor agreste, sorriu. A mãe concordou e… dias depois, nascia a Flor Agreste.

A menina Branca está imortalizada numa escultura que nasceu em barro e passou depois para um mármore italiano tão branco como o rosto e a alma da filha dos carvoeiros. A Flor Agreste é hoje considerada uma das obras maiores do escultor e uma das peças mais importantes da escultura europeia. Foi naquela casa de janela grande, por onde se espreitavam os sonhos escondidos nas estrelas e nas nuvens que invadiam os céus, que Soares dos Reis moldou com as suas inspiradas mãos o rosto, os olhos, a boca, o cabelo e a roupa da “menina-flor”, como lhe chamou o Mestre-Escultor. Hoje, a grande janela da sua casa mantém-se sempre fechada e as portas nunca se abrem. Mesmo que outra menina, como a Branca da carvoaria, fique à espera que o mistério se desvende, nada acontece. A porta fechou-se para todos. E lá dentro mora o abandono e a degradação.

Das pessoas que passam, ou mesmo das que moram junto ao edifício, poucas saberão que Soares dos Reis ali viveu, trabalhou e morreu. Nem uma lápide, uma simples placa, assinala esse facto. O ano passado, na passagem dos 160 anos do nascimento do escultor, o vereador da Cultura de Gaia anunciou o regresso do imóvel à gestão do Município, prometendo para breve a consumação desse desiderato através da celebração de um protocolo com a Universidade do Porto. Formalizado o acordo – disse o vereador – seria então possível avançar com a recuperação da casa e com a sua reabilitação para fins culturais. A verdade é que nada aconteceu até hoje. E ninguém da autarquia explica o que se passa. Mas que mistério se esconde neste denso manto de silêncio? Será que a resposta a esta pergunta está numa missiva que recebi na minha caixa de correio?

Eis o que o mensageiro me diz: «(…) É com grande pena que lhe comunico que, quanto ao futuro da casa oficina de Soares dos Reis, o que se avizinha não é nada bom. Houve de facto um protocolo que foi assinado pela Câmara de Gaia e a Faculdade de Belas Artes do Porto. A ideia era a Câmara recuperar o espaço e a Faculdade "animá-lo". Entretanto ficou-se a saber que a casa pertence ao Ministério das Finanças e que este não tem interesse em dar-lhe qualquer uso, mas sim vendê-la. Acho que não é preciso dizer mais nada... Entretanto parte do telhado que faz parte da zona onde o artista tinha o atelier já ruiu... e nem lhe conto "os assassinatos" que já foram feitos à estrutura do edifício... de partir o coração. Tendo em conta o poder do seu proprietário não sei o que se possa fazer para reverter esta situação... (…)».

Quem assina aquelas palavras pode parecer resignado, mas não. Pelo contrário, promete bater a todas as portas até que o problema se resolva. Não descansará enquanto não conseguir que alguém se interesse pela infeliz situação em que se encontra a Casa de Soares dos Reis, embora lhe pareça que muitas vezes está a falar com “moucos”. E os “surdos” são os que têm maiores responsabilidades pelo estado a que chegou o edifício da grande janela que deslumbrava a menina Branca da carvoaria. O meu correspondente não ficará só nesta sua empresa. Não podemos calar a nossa revolta! Não podemos deixar que o edifício sucumba perante tanta incúria e insensibilidade. Na próxima terça-feira, dia 14 de Outubro, passam 161 anos sobre o nascimento de Soares dos Reis. Proponho que, nesse dia, deixemos à porta da sua Casa-Atelier uma Flor (...Agreste!).

outros textos relacionados com a Casa-Atelier Soares dos Reis:
http://santa-marinha.blogspot.com/2007/09/casa-atelier-de-soares-dos-reis-ameaa.html
http://santa-marinha.blogspot.com/2007/10/casa-atelier-de-soares-dos-reis-e-o-160.html

Friday, October 03, 2008

O OUTRO LADO DO CENTRO HISTÓRICO E O NOSSO SILÊNCIO CÚMPLICE

salvadorpereirasantos@hotmail.com

O discurso político da Câmara de Gaia para o Centro Histórico atinge as raias do absurdo. Enquanto anuncia empreendimentos turísticos de excelência, hotéis de charme, centros comerciais travestidos de “culturais” e complexos habitacionais de luxo, desabam tectos de residências de gente modesta. Esta semana aconteceu a derrocada de mais uma parte do telhado de uma “ilha” da rua Cândido dos Reis, que obrigou ao desalojamento de seis pessoas, contribuindo assim para uma maior desertificação da beira-rio profunda. Estes concidadãos serão deslocados para equipamentos sociais em zonas periféricas, às quais não se lhes prendem quaisquer raízes e onde se sentirão como autênticos “intrusos”. Como eles, são já largas dezenas de santamarinhenses que enfrentam esta traumatizante situação.

A derrocada do telhado daquela “ilha” há muito que se previa, sem que a Câmara (ou a Junta de Freguesia…) mexesse “uma palha” para resolver o problema. O estado de ruína no interior do imóvel era evidente. Uma parte do telhado já não existia há muito. As traves de sustentação não garantiam segurança. As paredes apresentavam sinais de patologias irreversíveis. Perante este cenário, uma das famílias agora atingidas chegou a solicitar o apoio da empresa municipal Gaia Social e a alertar a Junta de Santa Marinha para a iminente ruína do imóvel. No primeiro caso, obteve como resposta que não havia habitações sociais disponíveis (talvez daqui a vinte anos – disseram!...). No segundo caso, conseguiu apenas a compreensão dos autarcas e a promessa de que tudo fariam para resolver aquela delicada situação. E o resultado foi o que se sabe!

Quem passa pelo Cais de Gaia e saúda aquela premiada obra de requalificação do espaço público, executada pela Administração dos Portos do Douro e Leixões e anunciada por Luís Filipe Menezes como “coisa sua”, não imagina que no interior da malha urbana do Centro Histórico existam muitas outras habitações em situações semelhantes (ou piores) à que se verifica na "ilha" da Cândido dos Reis. Muitos dos prédios não têm condições mínimas de segurança e de salubridade para albergar seres humanos! E são largas dezenas de pessoas de escassos recursos, grande parte delas de idade avançada e com dramáticos problemas de saúde, que sobrevivem em espaços escuros e húmidos, situados paredes-meias com prédios desocupados e destroçados pela degradação, votados ao abandono pela autarquia e à beira da derrocada!

Escondidos dos olhares dos turistas, estes imóveis e a humilhante situação em que vivem muitos dos nossos concidadãos são a vergonha de Vila Nova de Gaia! Mas este cenário não envergonha apenas quem governa o concelho. Todos nós nos devemos sentir envergonhados! A nossa vergonha deve-se à demissão, à passividade e à omissão. Vemos o que se passa em nosso redor e não nos indignamos. Reprimimos a nossa revolta e voltamos a cara à realidade, como se grande parte da culpa do que acontece não fosse também nossa. Ou melhor, a culpa é verdadeiramente nossa! O que (não) tem sido feito ao longo destes últimos anos no Centro Histórico e o que se ameaça fazer nos próximos tempos, há muito que justificaria a nossa rebelião. Somos cúmplices com o nosso silêncio. Não podemos continuar calados!...