SANTA MARINHA, MEU AMOR

Wednesday, August 20, 2008

CÂMARA DE GAIA DESVIRTUA FUNÇÕES DA POLÍCIA MUNICIPAL E REFORÇA A “CAÇA À MULTA”

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Segundo números agora divulgados, as receitas geradas pela Polícia Municipal de Gaia com reboques, bloqueamentos e multas de veículos automóveis aumentaram quase para o dobro, no primeiro semestre deste ano, comparativamente a período homólogo de 2007. Os reboques de viaturas cresceram de 14,2 mil para 29,6 mil euros; os bloqueamentos passaram de 10,7 mil para 18,2 mil euros; e as multas saltaram de 28,1 mil para 40,4 mil euros. Curiosamente, o comandante daquela corporação, Telmo Monteiro, afirmara recentemente numa entrevista ao jornal “O Gaiense” que «o trabalho da Polícia Municipal não se restringe a passar multas. Todos os dias, o nosso objectivo é passar o menos multas possível». Pois é. Mas, como se pode ver pelos resultados agora conhecidos, a Câmara abriu de facto a “caça à multa”!

A candura do discurso do comandante Telmo Moreira é ainda contrariada pelo Sistema de Avaliação de Desempenho recentemente implementado pela Câmara de Gaia, segundo o qual os efectivos da Polícia Municipal são obrigados a conseguir 1200 reboques por ano e sete bloqueamentos e duas multas por dia, sendo que 30% das autuações devem ser feitas na presença do infractor. Para além desta “magnífica performance”, os polícias obrigam-se ainda a efectuar trinta fiscalizações anuais a estabelecimentos. E é exactamente o cumprimento destes objectivos que determinará a classificação (e promoção!) de profissionais que, recorde-se, têm por missão garantir a manutenção da tranquilidade pública e a segurança da comunidade local, mediante um policiamento de proximidade, prevenção e visibilidade…

O reforço desta verdadeira “política de incentivo de caça à multa” talvez possa ser explicada com a aprovação recente de um Decreto-Lei que determina que a receita das coimas de contra-ordenação feitas pelas polícias municipais passe a reverter em 55% para os municípios, face aos anteriores 30%, a que acresce o facto das verbas arrecadadas com reboques e bloqueamentos reverterem integralmente para os depauperados cofres camarários! Mas a verdade é que a situação está a provocar uma grande desmoralização entre a maioria dos agentes, por estes entenderem que o seu papel de polícia está a ser desvirtuado. Sinal evidente desta insatisfação é o facto de boa parte das quase cinco dezenas de efectivos pretenderem abandonar a corporação, candidatando-se a outras instituições e forças de segurança.

Mais insatisfeitos do que os agentes estão os munícipes. Um Sistema de Avaliação de Desempenho da Polícia que não considera, por exemplo, como factores de valoração, acções de sensibilização, de formação e de prevenção, ou, ainda, contactos regulares com pessoas mais vulneráveis que vivem em locais problemáticos (objectivos facilmente mensuráveis), só pode contribuir para o aumento de um sentimento de insegurança. Ninguém acredita que um agente que saia para a rua com os olhos e o pensamento nas infracções de trânsito tenha disponibilidade mental para outras situações a que podiam acorrer em benefício das populações. O mais natural é que os agentes estejam apenas preocupados com o cumprimento dos objectivos que lhe permitem obter uma boa classificação e… a desejável promoção!

Vale a pena recordar (e sublinhar!) que o conjunto de competências legalmente atribuídas às polícias municipais não se esgota na regulação e fiscalização do trânsito rodoviário ou na elaboração de autos de contra-ordenação por infracções. Compete-lhes igualmente promover acções de sensibilização e divulgação de matérias de relevante interesse social no concelho, em especial nos domínios da protecção do ambiente e da utilização dos lugares públicos. Já no que respeita às tarefas relativas à manutenção da tranquilidade pública e protecção das comunidades locais, a lei refere claramente a vigilância de espaços, designadamente de áreas circundantes de escolas, e nos transportes urbanos locais, assim como a intervenção em programas destinados a acções de segurança junto de grupos específicos de cidadãos.

Mas a verdade é que a Câmara está apenas preocupada com a “caça à multa”. Os objectivos a cumprir por cada agente têm vindo a tornar-se mais exigentes de ano para ano. Se em 2006 a avaliação do desempenho se ficava pelo aumento de percentagens relativamente ao ano anterior, em 2007 as coisas tornaram-se mais claras: passaram a ser necessárias quatro viaturas rebocadas por dia de trabalho, quatro bloqueamentos, quatro autuações por infracção ao código da estrada e vinte participações anuais referentes a fiscalizações dos regulamentos municipais. Para 2008, a autarquia subiu a fasquia. Repito: 1200 remoções anuais de viaturas, sete bloqueamentos por dia, duas autuações diárias por infracção ao código da estrada e trinta participações anuais de fiscalização! É caso para dizer: fujam, vem aí a polícia municipal!!!

Tuesday, August 12, 2008

A “SILLY SEASON” A NORTE… E AS PARVOÍCES DE MARCO ANTÓNIO COSTA

salvadorpereirasantos@hotmail.com

A “silly season” a norte está este ano muito mais parva do que nunca e tem o seu epicentro na Câmara Municipal de Gaia. Não sei se é de excesso de Sol ou simplesmente de falta de siso, mas alguma coisa não vai bem na cabeça do seu vice-presidente Marco António Costa. Os disparates que tem produzido nas últimas semanas são tantos e tão insensatos que começo a temer pela sua sanidade. Mas o pior é que ele anda por aí, “à solta”, a debitar inconcebíveis parvoíces que apenas comprometem o desejável relançamento das relações institucionais entre os municípios de Vila Nova de Gaia e do Porto, colocando em causa a criação das condições mínimas que permitam a implementação de estratégias articuladas que tenham em vista a afirmação e o desenvolvimento das duas Cidades e da Região Norte.

Recupero duas das parvoeiras. A mais recente surgiu na sequência da manifestação de discordância do autarca de Gaia pelos traçados do TGV Lisboa-Porto em análise, tendo ele defendido que a estação terminal a norte fique instalada em Gaia, no prometido futuro interface da rede rodoviária com a linha do metro em Laborim, em detrimento de Campanhã, no Porto. E antes que alguém pudesse pensar que ele estava a brincar, Marco António Costa ameaçou reagir judicialmente, inclusive com recurso aos tribunais europeus, se o traçado da Rede de Alta Velocidade atravessar o centro de Gaia em direcção à Invicta. O assunto não mereceu qualquer comentário do presidente da Câmara do Porto, que, segundo consta, ainda se encontra em estado de choque com as três pontes que o autarca do concelho vizinho quer construir sobre o Douro…

Recordo que o anúncio da construção de três novas pontes, unindo Gaia e Porto, foi feito por Marco António Costa, à revelia de Rui Rio, cerca de duas semanas antes daquele reclamar a estação terminal do TGV para Gaia. Só por essa razão é que uma das novas travessias sobre o Douro, constante do pacote de pontes apresentado pelo vice de Luís Filipe Menezes, prevê que o comboio de alta velocidade demande à cidade do Porto por uma nova via sobre as duas margens do rio, com função ciclo-pedonal e ferroviária! E imagine-se onde queria ele erguer esta nova ponte: exactamente entre o morro do Palácio de Cristal e o Castelo de Gaia!!! Eu nem queria acreditar, mas é verdade. A culpa deve ser da “stilly season”. Se o homem não estivesse “possuído” por um estúpido ataque de parvoíce, não lhe ocorreria tamanho disparate!...

O Castelo de Gaia constitui uma estação arqueológica de grande valor. O resultado das escavações realizadas, entre 1999 e 2001, fazem prever que os vestígios existentes serão peças determinantes para um melhor conhecimento das nossas origens e das transformações ali operadas ao longo dos tempos. O lugar está carregado de simbolismo e misticismo, repleto de vestígios de uma história que remonta a tempos medievais. Por ali passaram romanos, muçulmanos, galegos e outros povos, que se desvendam nas marcas do Castelo, que foi completamente desmantelado pelas gentes do Porto, em 1386; na Capela do Bom Jesus de Gaia, que foi sede episcopal dos Suevos; ou na Fonte que se “esconde” na Quinta do Conde de Campo Bello, pertença dos descendentes dos senhores de Gaia, linhagem iniciada por Álvaro Anes de Cernache…

Acredito que, em termos gerais, o património cultural é uma matéria consensual, porque, normalmente, ninguém põe em causa a importância da sua defesa e valorização. Mas já o mesmo não ouso dizer dos actos que estão na base da sua salvaguarda, nomeadamente durante a… “stilly season” ou quando os poderes de decisão estão nas mãos de gente ignorante e insensata!!!... Tendo em consideração que o património fornece dados para nos situarmos em relação ao passado quando, muitas vezes, já nada resta dele, a sua preservação assume um papel de grande importância. Não só porque o passado é recuperado, como também são enaltecidas e estimuladas as actividades e expressões culturais capazes de se converterem num instrumento ao serviço do fortalecimento da construção de uma identidade simbólica da sociedade.

Por outro lado, a relação do património com as indústrias culturais e criativas é hoje sinónimo de progresso económico sustentável, com reflexos na qualidade de vida das populações. Recordo que, na opinião dos insuspeitos técnicos da Parque Expo que elaboraram o tão celebrado e frequentemente evocado “Masterplan” para o Centro Histórico, «os vestígios arqueológicos do Castelo de Gaia, a morfologia do terreno e o respectivo sistema de vistas assumem-se como as grandes potencialidades desta área, justificando a reabilitação do edificado existente e a qualificação do espaço público como forma de revitalização da zona», ao mesmo tempo que sublinham «a riqueza paisagística da Quinta do Conde de Campo Bello», onde sugerem «o desenvolvimento de novas actividades, nomeadamente associadas ao turismo».

Convém entretanto referir que o Estudo/Diagnóstico efectuado pelos técnicos da Parque Expo assenta em valores e princípios transversais a todo o Centro Histórico de Gaia, do qual relevo as suas seguintes conclusões: «A dimensão ambiental e paisagística deve ser assumida como um valor fundamental da estratégia de reabilitação (…). No que respeita à dimensão patrimonial e cultural, consideramos fundamental garantir a valorização e o reforço da identidade única do território através da revitalização e reabilitação do património, em todas as suas vertentes: natural, histórica, cultural e económica (…). No que respeita à dimensão sócio-económica, haverá que criar condições para promover a fixação da população, designadamente através da reabilitação das áreas habitacionais existentes (…)». Depois disto, mais palavras para quê?!...

Resta-me a esperança de que o Verão não traga novas parvoíces dos lados da Câmara Municipal e que o siso se instale de vez na cabeça das pessoas que têm assento na vereação, antes que a insensatez degenere em loucura e esta contribua para a destruição de um dos nossos mais ricos patrimónios culturais. Espero muito sinceramente que não surja mais nenhuma ideia peregrina para o Castelo de Gaia, que ignore o que atrás fica exposto. E, já agora, antes que cometam qualquer disparate irreversível, aconselho Marco António Costa e os seus pares a debruçarem-se sobre um trabalho produzido em 2003 pela arqueóloga Teresa Pires de Carvalho para a Revista Ciências e Técnicas do Património, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a que podem aceder clicando em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2944.pdf.

Thursday, August 07, 2008

CÂMARA MUNICIPAL DE GAIA “VENDE” ESPAÇO PÚBLICO DO CENTRO HISTÓRICO A PRIVADOS

salvadorpereirasantos@hotmail.com

A Câmara Municipal de Gaia anunciou o ano passado a implementação no Centro Histórico de um sistema de regulação de estacionamento e circulação de trânsito, condicionado a moradores e comerciantes, intenção que mereceu o meu comentário de 19 de Novembro de 2007 (http://santa-marinha.blogspot.com/2007/11/trnsito-catico-estacionamento-selvagem.html), conjugado com um outro do dia 12 desse mesmo mês (http://santa-marinha.blogspot.com/2007/11/parques-e-parcmetros-os-carros-tomam.html), onde sublinhei as contradições em que se enredava o executivo de Luís Filipe Menezes. No entanto, na altura, apesar de todas as reservas manifestadas, acreditei na bondade do Município. Ou seja, não quis sequer imaginar que a medida escondia o propósito que agora é claro e evidente: “vender” aquele espaço público à Via Verde Portugal (Brisa).

Não, não pensem que exagero! Se o verdadeiro propósito da Câmara Municipal fosse libertar de trânsito o miolo urbano da beira-rio e acabar de vez com o estacionamento selvagem que ali tem imperado, diminuindo a segurança e dificultando a vida de quem lá vive e trabalha, limitar-se-ia a condicionar o tráfego automóvel a moradores, empresários e dirigentes associativos (isentando-os de qualquer pagamento!). Mas não. De acordo com a leitura que faço do artigo 7º do Regulamento em vigor, só os moradores beneficiam de gratuitidade na aquisição (até ao limite de dois por fogo habitacional) dos identificadores que permitem o acesso à área condicionada. Os empresários e dirigentes associativos que tenham ali sede de actividade têm de pagar cerca de 30 euros (por veículo!...) se quiserem circular pelo Centro Histórico.

Por outro lado, aquele Regulamento omite a possibilidade dos familiares dos moradores acederem com as suas viaturas à zona condicionada (ou será que a Via Verde Portugal também tem legitimidade para cobrar 30 euros por cada um desses carros?!...). Recordo que a grande maioria dos moradores são idosos, boa parte deles de mobilidade reduzida, que vivem sós e têm por maior anseio receber a visita dos seus familiares, e com eles saírem em passeio, o que acontece normalmente apenas aos fins-de-semana. Será possível que estes cidadãos não possam aceder ao Centro Histórico ou tenham de pagar para visitar os seus pais, irmãos, sogros e avós?! Julgo que sim. E o mesmo parece acontecer com os antigos moradores da zona que foram deslocados para outros lugares do concelho com a promessa de regressarem ao local onde sempre viveram...

Na verdade, a ser correcta a leitura que faço do Regulamento, os cidadãos que foram desalojados da beira-rio também estão igualmente impedidos de circular pelo miolo urbano do Centro Histórico, onde muitos nasceram e viveram durante largas dezenas de anos, sentindo-se desenraizados nos lugares onde agora vivem, conservando ainda hoje os hábitos de socialização de sempre, o que os leva a visitar com frequência os seus amigos de infância, os seus antigos vizinhos de prédio, os seus lugares de convívio e os recantos das suas brincadeiras de criança. E o que acontece agora a estas pessoas que sempre consideraram como “sua” a rua onde nasceram e moraram durante quase uma vida inteira? Ser-lhes-á simplesmente vedada a entrada dos seus carros no Centro Histórico… ou terão de pagar 30 euros a uma empresa privada para lá entrarem?!

O preâmbulo do Regulamento de Condicionamento de Trânsito e de Estacionamento do Centro Histórico enuncia como algumas das razões para a sua aprovação e implementação «a antiguidade de algumas das edificações, que possuem fraco índice de protecção relativamente a incêndios, para além de uma população residente envelhecida, factores que contribuem para alta perigosidade em caso de acidente», acentuando que está «em causa a segurança de pessoas e bens dos residentes». Não se pode ser mais hipócrita! A regulação de estacionamento e circulação de trânsito facilita a «acessibilidade de veículos de socorro em caso de sinistro (incêndios, sismos, inundações, etc.) e o acesso a bocas-de-incêndio», mas não resolve o verdadeiro problema que contribui para o “aumento dos níveis de perigosidade do local”...

O que pode transformar o miolo do Centro Histórico num autêntico “barril de pólvora” é o abandono a que tem sido votado! As casas degradadas, semi-abandonadas ou totalmente devolutas, umas com patologias irreversíveis e outras sem as mínimas condições de habitabilidade, boa parte delas de propriedade municipal, que caracterizam neste momento a beira-rio profunda, significam não só um enorme perigo para a segurança das pessoas como podem representar um risco de consequências totalmente imprevisíveis para… a paz social no local! E isto porque a Câmara se tem servido ardilosamente desta situação para justificar o desalojamento de habitantes, promovendo a desertificação do Centro Histórico, em vez de reabilitar o seu património habitacional, mantendo o tecido social com os seus valores de identidade, de memória, de coesão e de solidariedade!...

Friday, August 01, 2008

O EMBUSTE CULTURAL DE GAIA

salvadorpereirasantos@hotmail.com

Os meus piores receios confirmaram-se: o prometido Centro Cultural de Gaia não passa de um embuste. A sua construção começou por ser anunciada em 2001, para as antigas instalações da Real Companhia Velha, em pleno Centro Histórico, ocupando uma área total de dez mil metros quadrados, com espaços destinados à cooperativa Cinema Novo (Fantasporto), ao Hot-Club e ao Teatro Experimental do Porto (TEP), para além de um auditório capaz de albergar duas mil pessoas. Quatro anos depois, o projecto seria novamente anunciado com grandes alterações, projectando-se então a construção de um hotel, um parque de estacionamento, uma vasta área para estabelecimentos de “comida rápida”, um conjunto de lojas comerciais, um pequeno auditório e treze (!!!) salas de cinema.

Mas as alterações não se ficaram por aqui. Volvidos mais dezoito meses, no dia em que foi lançada a sua primeira pedra, aquela infra-estrutura mudou até de nome! Passou a denominar-se “Cais Cultural”, manteve o hotel, o parque de estacionamento, o espaço de restauração e as restantes valências comerciais, mas suprimiu os cinemas. O próprio presidente da autarquia de Gaia revelou alguma dificuldade em justificar as mudanças ocorridas no projecto ao longo destes últimos sete anos, sentindo-se na obrigação de afirmar que o TEP e a cooperativa do vereador Mário Dorminsky (!...) terão instalações garantidas noutros espaços do Centro Histórico. A verdade é que, no que respeita à sua componente cultural, aquele novo equipamento conserva apenas do “projecto original”… um auditório.

Porém, nada me diz que o auditório que resistiu à ignorância cultural e ao evidente sentido mercantilista do “dono da obra” não venha a ser basicamente utilizado como palco de realização de congressos, conferências, colóquios, debates e iniciativas afins, por falta de um eficaz programa de áreas e de equipamentos adequados ao cumprimento daquela que deve ser a sua principal vocação: produzir e acolher os mais diversos espectáculos, da dança ao teatro, da música ao novo circo, do cinema à multimédia, do vídeo às artes performativas. Alguns dos exemplos mais recentes de auditórios construídos ou recuperados no concelho de Vila Nova de Gaia, assentes em projectos arquitectónicos de fraca qualidade ou mesmo feridos de grave incompetência técnica, fazem-me temer o pior.

Projectar um auditório constitui um desafio de uma complexidade conceptual significativa, que obriga a uma articulação rigorosa de diversas valências e à coordenação de inúmeros projectos, a que muitos arquitectos se esquivam frequentemente. Trata-se de conceber e conciliar a arquitectura generalista com um grande conjunto de especialidades, como a arquitectura de cena, os mecanismos electrónicos de palco, a engenharia acústica e térmica, a iluminação cénica, as salas de criação e ensaio, as oficinas de construção, os espaços de direcção e controlo cénico. Além disso, há que satisfazer as exigentes normas de segurança, a definição clara de espaços e circuitos de públicos, de artistas e técnicos, a qualidade espacial e o conforto visual de todos os envolvidos.

Compete ao “dono da obra” definir um programa preliminar e os parâmetros do projecto, de acordo com a utilização pretendida, porque é na especificidade e nos condicionalismos de cada projecto que se define uma estratégia de intervenção. No caso dos auditórios, a carga técnica e a organização funcional é tão complexa como noutros edifícios, com a diferença que está mais concentrada espacialmente na “caixa do palco”. Isto sem esquecer que uma das particularidades destes equipamentos centra-se na sua relevância social, tanto na carga simbólica da sua inserção urbana, como elemento de referência na cidade e no imaginário das populações, como nos modos de uso do espaço interior, onde se aspira a um espaço representativo (o espectáculo) que promova o acto social critico (o debate, a reflexão…).

Espero muito francamente que alguém com responsabilidades no projectado “Cais Cultural” leia estas minhas linhas e desperte para as questões aqui suscitadas, evitando, assim, que seja construído no concelho de Gaia mais um auditório incapaz de abrigar uma programação artística inovadora, cosmopolita e centrada no apoio à criação contemporânea, que aprofunde relações privilegiadas com a comunidade e abra novos horizontes aos públicos e aos artistas mais jovens... Ou será que estamos condenados a uma programação ditada por uma visão economicista da cultura, ao arrepio da Convenção ratificada em Bruxelas, no passado dia 18 de Dezembro, pelos Estados-membros da União Europeia sobre «a protecção e promoção da diversidade das expressões culturais»?...